INTELIGÊNCIA
Saiu num jornal uma crítica a Bridget Jones que, além de preencher o espaço repetindo tudo o que todo mundo já sabe, declara que filme/livro são ruins porque a moça é burra. E é burra por que? Porque não dá importância à carreira e, maior de todos os pecados, "por trás da aparência de independência, quer mesmo é casar com um bom moço". Bem, vamos por partes.
Nada mais passado que imaginar que a dedicação ao trabalho liberta. Qual o sentido, qual a vantagem de passar 10 horas do seu dia se dedicando à "firma"? O que vc ganha com isso? Um salário alto? Reconhecimento entre seus pares? Um suposto respeito pela sua capacidade animal de produzir? Ou quem sabe um colapso nervoso?
Esse argumento fácil hoje em dia, 30 anos após o feminismo, só joga a mulher para dentro da mentalidade mais podre do capitalismo financeiro e globalizado. Vc só vale algo se for capaz de produzir e de consumir. Vc é o dinheiro que vc gera. E a única possibilidade para todas as outras mulheres que não vão tirar seu ganha-pão da imagem, da exploração da sexualidade, da bunda grande, é ter uma carreira.
Bridget Jones não tem. Ela não é mulher perfeita e bem-sucedida que virou a medida para todas as mulheres do mundo. No filme e no livro, opõe-se a duas dessas mulheres: as namoradas de Darcy e Cleaver. A primeira, uma advogada brilhante que olha todos com arrogante superioridade. Que declara logo de cara que vai manipular direitinho tudo a seu redor para fisgar o partidão recém-separado. Em tese, ela não precisa de redenção nenhuma. Ela já está até o pescoço dentro do esquema. A outra é a gostosa de plantão, que tem um belo rosto e peitos perfeitos para explorar. Que exibe seus grandes trunfos: as curvas e os metros de pernas. Idem, idem.
Bridget também não está atrás de dinheiro ou de posição social. Seu problema é outro: ela não é perfeita, mas foi convencida de que se tentar bastante, se controlar todos os aspectos da sua vida, se tornará "uma nova mulher". Esse é o grande ponto da personagem e do livro: exagerar na tinta e fazer a caricatura perfeita da pressão social que quer uniformizar todas as pessoas em "role models", como eles adoram falar nos EUA. Se vc é não assim, vc está fora. E fadado a viver sozinho.
Agora, o casamento. Entre os milhões de habitantes do mundo, homens e mulheres, heterossexuais e gays, católicos e protestantes, brancos, pretos e amarelos, qual é a porcentagem das pessoas que não procura um relacionamento amoroso? Quantos não enxergam aí -na sua capacidade de encontrar alguém para viver junto, para compartilhar o dia-a-dia, para ser a medida da afeição que são capazes de despertar- uma das coisas mais fundamentais da sua vida? A culpa não é da alienação feminina. Acredito que o amor romântico, um traço cultural muito fundo no mundo burguês, tem mais a explicar sobre esse ideal de felicidade de contos de fada do que qualquer livro da Germaine Greer. Mas a conta cai sempre nos ombros das mulheres. Nem isso lhes é permitido, sob a acusação de mediocridade e burrice.
No entanto, a história de Bridget não chega a ser um conto de fadas. É uma montanha russa de altos e baixos que não promete nunca que os protagonistas "viveram felizes para sempre". Parece sim com o dia-a-dia comezinho de centenas de milhares de pessoas. E isso não é pecado nem burrice. Só um dos lados da realidade.