:: bolha de sabão ::

... rascunho, bloco de notas, palavras para as paredes

26.12.02

21.12.02



DURAÇÃO.
Sucesso.
Nenhuma culpa.
A perseverança é favorável.
É aconselhável ter onde ir.


A duração é um estado em que obstáculos não conseguem esgotar o movimento. Não é uma condição de repouso, pois a mera imobilidade significa na verdade um retrocesso. A duração é o movimento de uma totalidade organizada e completa em si mesma. Esse movimento está sempre se renovando. Ele se realiza segundo leis imutáveis e cada término dá lugar a um novo começo. O objetivo é atingido por um movimento na direção interna: a inspiração, a sístole, a contração. Esse movimento se transforma num novo começo tomando a direção externa: a expiração, a diástole, a expansão. Os corpos celestes movem-se em suas órbitas e por isso sua luminosidade perdura. As estações seguem uma lei invariável de mutação e transformação, e por isso têm uma ação duradoura. Assim também, o caminho do homem que segue seu destino tem um sentido duradouro: desse modo o mundo se estrutura e ganha forma. Naquilo que dá às coisas duração pode-se reconhecer a essência de todos os seres no céu e na terra.

18.12.02

Bernardo Carvalho ganha o prêmio Machado de Assis com "Nove Noites"
Eu gostei muito do livro.



the Which of Bono's alter egos are you? quiz by bethany

16.12.02

Aí estava o mar, a mais ininteligível das existências não-humanas. E ali estava a mulher, de pé, o mais ininteligível dos seres vivos. Como o ser humano fizera um dia uma pergunta sobre si mesmo, tornara-se o mais ininteligível dos seres onde circulava sangue. Ela e o mar.
Só poderia haver um encontro de seus mistérios se um se entregasse ao outro: a entrega de dois mundos incognoscíveis feita com a confiança com que se entregariam duas compreensões.
Lóri olhava o mar, era o que podia fazer. Ele só lhe era delimitado pela linha do horizonte, isto é, pela sua incapacidade humana de ver a curvatura da terra.
Deviam ser seis horas da manhã. O cão livre hesitava na praia, o cão negro. Por que é que um cão é tão livre? Porque ele é o mistério vivo que não se indaga. A mulher hesita porque vai entrar.
Seu corpo se consola de sua própria exigüidade em relação à vastidão do mar porque é a exigüidade do corpo que o permite tornar-se quente e delimitado, e o que a tornava pobre e livre gente, com sua parte de liberdade de cão nas areias. Esse corpo entrará no ilimitado frio que sem raiva ruge no silêncio da madrugada.
A mulher não está sabendo: mas está cumprindo uma coragem. Com a praia vazia nessa hora, ela não tem o exemplo de outros humanos que transformam a entrada no mar em simples jogo leviano de viver. Lóri está sozinha. O mar salgado não é sozinho porque é salgado e grande, e isso é uma realização da Natureza. A coragem de Lóri é a de, não se conhecendo, no entanto prosseguir, e agir sem se conhecer exige coragem.
Vai entrando. A água salgadíssima é de um frio que lhe arrepia e agride em ritual as pernas.
Mas uma alegria fatal – a alegreia é uma fatalidade – já a tomou, embora nem lhe ocorra sorrir. Pelo contrário, está muito séria. O cheiro é de uma maresia tonteante que a desperta de seu mais adormecido sono secular.
E agora está alerta, mesmo sem pensar, como um pescador está alerta sem pensar. A mulher é agora uma compacta e uma leve e uma aguda – e abre caminho na gelidez que, líquida, se opõe a ela, e no entanto a deixa entrar, como no amor em que a oposição pode ser um pedido secreto.
O caminho lento aumenta sua coragem secreta – e de repente ela se deixa cobrir pela primeira onda! O sal, o iodo, tudo líquido deixam-na por uns instantes cega, toda escorrendo – espantada de pé, fertilizada.
Agora que o corpo todo está molhado e dos cabelos escorre água, agora o frio se transforma em frígido. Avançando, ela abre as águas do mundo pelo meio. Já não precisa de coragem, agora já é antiga no ritual retomado que abandonara há milênios. Abaixa a cabeça dentro do brilho do mar, e retira uma cabeleira que sai escorrendo toda sobre os olhos salgados que ardem. Brinca com a mão na água, pausada, os cabelos ao sol quase imediatamente já estão se endurecendo de sal. Com a concha das mãos e com a altivez dos que nunca darão explicação nem a eles mesmos: com a concha das mãos cheias de água, bebe-a em goles grandes, bons para a saúde de um corpo.
E era isso o que estava lhe fantando: o mar por dentro como o líquido espesso de um homem.
Agora ela está toda igual a si mesma. A garganta alimentada se constringe pelo sal, os olhos avermelham-se pelo sal que seca, as ondas lhe batem e voltam, lhe batem e voltam pois ela é um anteparo compacto.
Mergulha de novo, de novo bebe mais água, agora sem sofreguidão pois já conhece e já tem um ritmo de vida no mar. Ela é a amante que não teme pois que sabe que terá tudo de novo.
O sol se abre mais e arrepia-a ao secá-la, ela mergulha de novo: está cada vez menos sôfrega e menos aguda. Agora sabe o que quer: quer ficar de pé parada no mar. Assim fica, pois. Como contra os costados de um navio, a água bate, volta, bate, volta. A mulher não recebe transmissões nem transmite. Não precisa de comunicação.
Depois caminha dentro da água de volta à praia, e as ondas empurram-na suavemente ajudando-a a sair. Não está caminhando sobre as águas – ah nunca faria isso depois que há milênios já haviam andado sobre as águas – mas ninguém lhe tira isso: caminhar dentro das águas. Às vezes o mar lhe opõe resistência à sua saída puxando-a com força para trás, mas então a proa da mulher avançaum pouco mais dura e áspera.
E agora pisa na areia. Sabe que está brilhando de água, e sal e sol. Mesmo que o esqueça, nunca poderá perder tudo isso. De algum modo obscuro seus cabelos escorridos são de náufrago. Porque sabe – sabe que fez um perigo. Um perigo tão antigo quanto o ser humano.


[Capítulo de cabeceira - Uma Aprendizagem Ou O Livro dos Prazeres, Clarice Lispector]

É sempre supreendente, emocionante e inesperado reler e reler um livro. É o homem entrando no rio. E é o encontro.

14.12.02

Comprei a Ácaro, um pouco atrasada, mas acabei comprando. Abri e de cara gostei das MINITRIPAS DE MULHER, da Ivana Arruda Leite. São, como as miniestórias do Trevisan, curtíssimas. Uma idéia central forte, cheia de pontas elásticas pra você puxar pro lado que quiser. Lá vai:

ANIL
Montanhas de roupas pra passar e eu punhetando, sonhando, pendurada no varal das recordações. Alma alvejada, estendida lá no céu, balançando, balançando.

POR DEUS
Tira essa faca do meu peito e enterra o pau.
É muito mais confortável.

Segundo os créditos no fim da revista, ela nasceu em Araçatuba em 1951 e tem dois livros publicados, um deles intitulado Falo de Mulher (Ateliê, 2002).

13.12.02

Mais listas:
De Wendy Perriam, sobre sexo em "livros sérios". Tá no Guardian e, é claro, inclui Philip Roth.

Entre os 7 melhores livros do ano para o NYT estão REPARAÇÃO, do Ian McEwan, que foi o melhor romance que eu li este ano e sobre o qual rascunhei uma resenha para a SL. E um outro livro que eu estou alucinada para ler: MIDDLESEX, do Jeffrey Eugenides, autor também do excelente Virgens Suicidas (que consegue ser mais legal que o filme homônimo).

10.12.02

Sensacional:
Josefina Álvares de Azevedo (irmã do poeta romântico) é uma das precursoras do movimento feminista no Brasil. Fundou um jornal literário em SP em 1888 (A Família) e era defensora do voto feminimo, favorável ao divórcio e "contra a perversa autoridade paterna". :-)
(do dicionário crítico das escritoras brasileiras)

Li este post do Rafa que me fez lembrar de um poema do Drummond muito muito querido pra mim:

Memória

Amar o perdido
deixa confundido
este coração

Não pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão

Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.





Mas e a estrutura? ‘A estrutura’, ele insistia. E seu gesto delgado de envolvimento e fuga parecia tocar mas guardava distância, cuidado, cuidadinho, ô! a paciência. A paixão.
No escuro eu sentia essa paixão contornando sutilíssima meu corpo. Estou me espiritualizando, eu disse e ele riu fazendo fremir os dedos-asas, a mão distendida imitando libélula na superfície da água mas sem se comprometer com o fundo, divagações à flor da pele, ô! amor de ritual sem sangue. Sem grito. Amor de transparências e membranas, condenado à ruptura.


[trecho de A Estrutura da Bolha de Sabão (1978) - Lygia Fagundes Telles]

LITANIA

Nós nunca nos realizamos.

Somos dois abismo - um poço fitando o Céu.

[livro do desassossego]

9.12.02


não resisti...

Mora na melancolia - os 10 sambas mais belos e melancólicos
Por Paulo Roberto Pires | no mínimo

Olha aí – Gravado por Walter Alfaiate em seu primeiro disco, “Samba sob medida”, fala de festas que sabemos impossível manter ao longo dos anos, mesmo nos encontros marcados dos carnavais: “Olha aí/Toda a minha gente reunida”. É mentira.

Para um amor no Recife – Sem comentários, uma das melhores de Paulinho da Viola.

Antonico – Com qualquer intérprete, o “faça por ele como se fosse por mim” é arrepiante.O próprio Ismael Silva imprime a medida justa da dor, assim como Gal Costa e Jards Macalé.

Adeus batucada – A gravação original de Carmen Miranda arrepia e faz lembrar de coisas que não se viveu.

Último desejo – Meus avós paternos se conheceram numa festa de São João e, apesar de viverem às turras, davam um tempo quando ouviam este samba de Noel Rosa. É, para mim, infância perdida em estado bruto.

Lenço - Obra-prima de Monarco, funciona com a Velha Guarda da Portela, com o próprio e, sobretudo, naquele disco em que Paulinho da Viola, ele de novo, gravou o “Para um amor no Recife”: “Pega este lenço/Para enxugar teu pranto/Já enxuguei o meu/O nosso amor morreu”.

Samba curto – Tome Paulinho da Viola: “Ninguém pode cantar a vida/Num samba curto”. E ponto.

Mascarada – Fossa magnífica de Zé Kéti e Elton Medeiros, seus dois melhores intérpretes. Mas Emílio Santiago (perdido na trilha sonora de “Anos Rebeldes”) e Zé Renato também não fazem feio: “O poeta era eu/E as rimas eram compostas/Na esperança de que/Tirasses esta máscara”.

Samba do Irajá – É o “Amarcord” de Nei Lopes: “Trago impressa no meu rosto/E no peito ao lado oposto do direito/Uma saudade/Saudade de na verdade/Não ter sido nem metade/Daquilo que você sonhou”.

50 anos – A primeira parceria de Paulinho da Viola com Aldir Blanc é um balanço de vida para cinquentões de todas as idades: “Eu vim aqui prestar contas/De poucos acertos, de erros sem fim/Eu tropecei tanto às tontas/Que acabei chegando ao fundo de mim/(...)/Cinqüenta anos são bodas de sangue:/Casei com a inconstância e o prazer/Perdôo a todos não peço desculpas/Foi isso que eu quis viver”.

8.12.02

Sim, ela chegou!

4.12.02


Como sempre, maravilhosa!
(E só ela pra encher o dia de hoje de bom humor)
Fora que essa capa combina super com esta bolha...

2.12.02

Confesso que fiquei um pouquinho decepcionada com o Dicionário Crítico de Escritoras Brasileiras. Em princípio é todo vistoso, grandão, de capa vermelha, mas lá dentro.... os verbetes são tão pequenininhos! Fora que parece livro para míopes, de letras imensas e com alguns brancos conceituais. Pq incluir um verbete que se resume ao nome da fulana e o texto "Poeta paraibana. Publicou o livro de poesia Elos (1979)."? Além de tudo, o projeto gráfico é feio. As fontes, o corpo, o vermelho do título dos verbetes e as ilustrações "releituras de pintores diversos" não ajudam em nada... Pena.

1.12.02

"o tempo é um pássaro de natureza vaga"