Eu gosto bem de new journalism. Os livros do Norman Mailer me iniciaram na coisa. E agora estou desfrutando d´
A Mulher do Próximo, de Gay Talese. Trata-se de uma mega reportagem sobre comportamento sexual nos Estados Unidos a partir do pós-guerra toda totalmente baseada em personagens, bons personagens. Alguns é claro são bem óbvios e famosos, como Hugh Hefner, o criador da Playboy. Outros nem tanto, como o gerente de seguros John Bullaro, um americano mediano típico que passa a frequentar um sociedade de troca de casais e amor livre nos subúrbios de Los Angeles. Mergulhando no indivíduo, na história do personagem, Talese vai criando a linha condutora de seu romance-reportagem. E aí está sua craftsmanship, se é que se pode usar o termo. O encadeamento é perfeito, as histórias se cruzam, desembocam uma na outra, emolduradas na política, na economia, na ciência e nos costumes. E essa moldura se revela totalmente em contraponto, em negativo. Figuras públicas controversas como o censor Anthony Comstock não são endemoniadas, mas Talese acha uma contradição fundamental em suas vidas que aparece como o eixo de ações radicais. Num outro extremo do espectro, aparece gente como o editor Samuel Roth, condenado à prisão por publicar livros ditos pornográficos nos anos 50. E o celebérrimo caso de O Amante de Lady Chatterley, sua proibição e sua liberação, serve de exemplo perfeito para demonstrar as mudanças sociais. Talese passa longe do estereótipo da comunidade jovem e hippie de pessoas nuas rolando na lama com flores nos cabelos para examinar a dita revolução sexual. É claro que fica sempre a pulga criada pela mistura de reportagem e ficção. Qualquer repórter que já tenha feito uma matéria de comportamento, baseada em personagens, sabe o quanto é possível manipular, recortar e colar para criar o Frankenstein que bem entender (ou que o editor exigir). De outro lado, não há matéria mais saborosa do que a que revela o indivíduo. Nenhuma cobertura de guerra é tão chocante quanto aquela que mostra melhor a miséria da vítima do poder militar opressor. De novo, a história do "fale sobre sua aldeia e revele o mundo (acho que a citação está errada, contribuições são bem-vindas). Mesmo correndo o risco de ser injusto à história do indivíduo, o repórter precisa dar o seu recorte para ser ouvido, compreendido, amplificado. Não há como deixar de pensar na fome das pessoas pela privacidade alheia. Na necessidade de olhar o outro para ter certeza de que se é normal. Naquela entrevista linkada ali em baixo, o Jurandir Freire da Costa fala bem sobre o quanto tudo isso é estéril. É um cão correndo atrás do rabo. Acho que perdi a linha lógica desse texto, mas tudo bem, recentemente não dou tanta bola para a coerência. Outra anotação importante sobre o livro de Talese: ele próprio, apesar de sua suposta neutralidade narrativa, é uma extensa descrição de experiências eróticas com linguagem idem. Não que seja ideal para seções de masturbação, mas abusa da cadência, do ritmo e das descrições que bem poderiam estar em contos eróticos. É o caso do capítulo sobre o livro de D. H. Lawrence. Começa com um trecho do romance, artifício que livra Talese do peso de tentar reproduzir ou narrar ou explicar o efeito da literatura de Lawrence. Mas mesmo em sua inferioridade literária, jornalista emula o romancista. Ou seja, relações promíscuas por todos os lados.