Nossa, há quanto tempo eu não passava por aqui. Mudou tudo. Tudo mesmo. Só a Vivi pra fazer eu voltar :D
:: bolha de sabão ::
... rascunho, bloco de notas, palavras para as paredes
21.7.05
29.3.04
Citações musicais e literárias em Panis et Circensis aqui
28.3.04
"Não há território interior no dominío cultural: ele está inteiramente situado sobre fronteiras, fronteiras que passam por todo lugar, através de cada momento seu (...). Todo ato cultural vive por essência sobre fronteiras: nisso está sua seriedade e importância; abstraído da fronteira, ele perde terreno, torna-se vazio, pretensioso, degenera e morre."
(Questões de literatura e de estética - a teoria do romance - Mikhail Bakhtin)
21.3.04
Eu preciso andar pra longe pra chegar perto. Só indo embora, na distância, converto em forma sensível, palpável, visível, risível. Esse é um adjetivo novo na minha palheta que se acostumou aos tons de cinza, à abúlica ausência de cor. Minha forma é espiral. Palavras em circunlóquio, dando voltas em si mesmas até desmaiarem de vertigem, borrando o senso – mancha de café no fundo da caneca pra prever o futuro. Vi meu sonho na noite passada. Duas crianças, uma branca e uma negra, nascendo rápido e sem dor da minha barriga. Nascendo grandes, aos 7 anos de idade, com olhos arregalados e pretos. Olhando pro mundo com cara de espanto. E eu no parque de diversões querendo brindar à sorte, agradecer ao calor da máquina que gira, gira, gira... mais quente que a carne da criança olhando pra mim e perguntando: "E o mundo, o que é?". Mentira. Mas assim é fácil demais. Porque a resposta eu só dei aqui, usando uma palavra que não nasceu de mim. Um sonho é o mundo, como já se disse em delírios de redondilhas arcaicas e versos elisabetanos. Ornamento que faz doer e gozar, roda da fortuna escrita nos astros da boca do estômago. Paranóia nonsense, ideal de felicidade, conflito de desejos, a batalha de Tânatos e Eros travada ali no canto da cozinha, na água escorrendo do chuveiro, no travesseiro caído atrás da cama. Um vômito grosso, pútrido. Meu corpo está encrustrado de pus seco, com sua beleza ocre e dolorida em padrões geométricos variados como fractais. Visão intrincada de mim mesma, embaçada pela fina casca da vida.
5.2.04
Foi inesquecível minha visita à Casa do Sol. Uma das últimas entrevistas dela, acredito, por conta da reedição das obras pela Globo. Como a Somlivre.com tirou do ar (como todo o material produzido pela equipe de conteúdo), decidi republicar aqui.
Foto Dafne Sampaio
O Êxtase da Senhora H
"Sou eu esta mulher que anda comigo?"
Sonetos que Não São
30/01/2002 - Quando era criança, queria ser santa. Hoje, vê e ouve os mortos. Levou uma vida boêmia nos anos 50 e 60. Deu em cima de Marlon Brando, namorou Dean Martin e passava férias em Biarritz, na França. Então, leu Carta a El Greco, de Nikos Kazantzakis, e se isolou do mundo num sítio em Campinas. "Foi um chamamento." Renunciou ao glamour da vida mundana, de que havia se fartado, pelo seu oposto. Escreveu mais de 20 livros. Poesia, prosa, crônica e teatro. Fala de sexo e fala de Deus. Teve um pai esquizofrênico, que só conheceu adulta. E ele, louco, à beira da morte, a confundia com a mãe e pedia "só três noites de amor". Por causa da doença do pai, decidiu não ter filhos. Mora com 64 cachorros e dezenas de fotografias antigas.
Em 2001, finalmente a obra dessa mulher de 71 anos, a paulista Hilda Hilst, que escreveu alguns dos livros mais originais, belos e importantes da literatura brasileira, começou a livrar-se dos limites de tiragens e distribuição de pequenas editoras. A reedição de suas obras completas pela editora Globo começou em dezembro passado com os títulos Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão (poesia, 1974) e A Obscena Senhora D (prosa, 1982). A organização é de Alcir Pécora, professor de teoria literária na Unicamp, que assina a introdução. A edição inclui cronologia e bibliografia sobre a autora. O próximo título a sair é Bufólicas (poesia, 1992), com previsão de lançamento ainda para fevereiro.
Esse acontecimento revirou a vida da senhora de olhos miúdos e brilhantes, cabelos ralos, presos desajeitadamente. Sentada numa poltrona na sala ampla da Casa do Sol, nos arredores de Campinas, rodeada de vira-latas e fumando cigarros Chanceler, Hilda Hilst fala ficção. Quase sempre sorrindo, intercala memórias, observações, suas conversas com os mortos, seus questionamentos. Fala com dificuldade, sequela de duas isquemias cerebrais que lhe tiraram outro prazer, o uísque. Agora só toma vinho Chalise, de baixo teor alcoólico, com pedrinhas de gelo. A felicidade com o reconhecimento público é evidente. Depois de ter sido chamada de "tábua etrusca", de "incompreensível", ela regozija-se que pessoas normais, não necessariamente gênios ou exemplos de erudição, sejam tocadas por suas palavras. "Eu fiquei besta, porque demorou tanto para acontecer. Aconteceu e fiquei contente, porque eu estou viva ainda. Eu podia morrer também. Eu podia morrer", afirmou. Leia ao lado os principais trechos da entrevista.
Como a sra. recebeu a reedição de suas obras completas?
Hilda Hist - Fiquei contente de a Globo me editar. Foi um gol, porque sempre achavam que eu era muito difícil. Eu ficava impressionada, porque para mim não sou. No começo, não acontecia nada. Nenhuma editora importante queria me publicar. Só pequenas editoras, o Massao (Ohno, editor), que era meu amigo, e outras editoras pequenas. Só agora que eu já estou com 71 anos é que a Globo... Fiquei besta, porque demorou tanto para acontecer! Fiquei contente, porque eu estou viva ainda. Eu podia morrer também. Eu podia morrer. Por exemplo, a Lupe Cotrim (professora da ECA e poetisa, morta em 1970) morreu com 37 anos, em Campos de Jordão. Era uma grande poetisa. Atrás dessa porta, tem um retrato dela. Vai lá ver.
São lindas as fotografias, e a casa também.
Hilda - Tantas coisas aconteceram nesta casa, tão extraordinárias. Tenho muitas coisas para contar, mas não posso provar. Eu me alegro, mas ao mesmo tempo não sei se acreditam em mim. Já falei várias vezes daquilo que aconteceu aqui nesta casa que fui eu que construí. Eu nem sei como falar, mas gostaria um dia de poder falar. Já falei para algumas pessoas. Mas gosto de falar sempre porque é muito extraordinário. Eu tinha uma casa linda em São Paulo. Depois que minha mãe me deu este terreno, eu construí esta aqui, e aconteceram tantas coisas...
A Lupe Cotrim era amiga também da Lygia Fagundes Telles, com quem a sra. tem uma amizade de décadas...
Hilda - A Lygia também fazia muito sucesso... Mas eu, parecia que era uma estrangeira. Porque o meu avô, pai do meu pai, era um francês, eu não o conheci. Mas a minha avó era Almeida Prado. Ela chamava-se Maria do Carmo Ferraz de Almeida Prado Hilst, e meu pai pôs só Hilda Hilst, que ele achou bonito. E deu sorte, né? Se tivesse posto tudo, podia até não ser conhecida.
Sua amizade com a Lygia...
Hilda - É de 40, 50 anos. A Lygia não foi editada pela Globo, né?
Não, foi pela Rocco
Hilda - Esquisito, né? Porque a Globo só edita pessoas que deram certo. Mas com 71 anos a gente já está cansado de tudo.
Conte como foi sua mudança para cá. Foi certamente um divisor de águas.
Hilda Hilst - Foi completamente um divisor de águas. Achei que aqui iria ter sossego, poderia escrever. Não achei que ia ter gente me incomodando. Vivi a vida toda pensando só em escrever. Tinha uma vida muito simpática em São Paulo, gostava muito da minha própria vida, era sempre divertido, muitos amigos. Quando vim para cá, mudou tudo. Minha mãe tinha essa fazenda, mas eu não tinha amigos aqui. Eu tentei ter amigos. Conheci o (José Aristodemo) Pinotti, que foi o reitor da Unicamp. Conheci reitores, pró-reitores, tudo, fiquei muito ligada à Unicamp. Isso era uma coisa que eu nunca podia supor que iria acontecer.
Essa ligação com a Unicamp foi bastante importante, não?
Hilda - Aqui conheci a Sueli Pinotti, a mãe do Pinotti, que já morreu. E ele me colocou na Unicamp. Daí começaram a me chamar de doutora, porque eu sou formada em direito, mas eu nunca exerci. Exerci uns dois meses só. Mas fazer doutorado é outra coisa. Não fiz doutorado. Tinha muita dificuldade com direito internacional. Cheguei até a falar com o professor de direito internacional, que era o Vicente Rao. Mas aí ele falou, 'Olha Hilda, é complicado demais. Você tem de saber o direito de todos os países'. Aí eu broxei completamente. De alguma forma, eu queria ser alguém. Tinha sempre essa vontade de me destacar. E escrever. Por isso achava que eu nunca ia ser ninguém.
Mas a sra. sempre foi reconhecida, desde a juventude.
Hilda - Comecei a escrever com 18 anos. Escrevi meu primeiro livro, Presságio (poesia, 1950), escrevi Balada de Alzira (poesia,1951) quando nem era formada. As pessoas gostavam de mim porque eu era simpática, delicada... Mas aqui não conhecia ninguém. Mas foi realmente em Campinas que começou a acontecer tanta coisa...
Foi um retiro vir para cá?
Hilda - Não foi porque amigos meus vieram para cá, o Zé Luis (Mora Fuentes, escritor e jornalista, que mora atualmente na Casa do Sol), a Olga (Bilenky), eles vêm muito aqui. Tem o Edson Duarte, também.
A casa transformou-se num pólo de escritores
Hilda - Caio Fernando Abreu (autor de Morangos Mofados, 1948-1996), que morreu... É que ficaram poucos, que subsistiram.
Conte como foi sua mudança para cá. Foi certamente um divisor de águas.
Hilda Hilst - Foi completamente um divisor de águas. Achei que aqui iria ter sossego, poderia escrever. Não achei que ia ter gente me incomodando. Vivi a vida toda pensando só em escrever. Tinha uma vida muito simpática em São Paulo, gostava muito da minha própria vida, era sempre divertido, muitos amigos. Quando vim para cá, mudou tudo. Minha mãe tinha essa fazenda, mas eu não tinha amigos aqui. Eu tentei ter amigos. Conheci o (José Aristodemo) Pinotti, que foi o reitor da Unicamp. Conheci reitores, pró-reitores, tudo, fiquei muito ligada à Unicamp. Isso era uma coisa que eu nunca podia supor que iria acontecer.
Essa ligação com a Unicamp foi bastante importante, não?
Hilda - Aqui conheci a Sueli Pinotti, a mãe do Pinotti, que já morreu. E ele me colocou na Unicamp. Daí começaram a me chamar de doutora, porque eu sou formada em direito, mas eu nunca exerci. Exerci uns dois meses só. Mas fazer doutorado é outra coisa. Não fiz doutorado. Tinha muita dificuldade com direito internacional. Cheguei até a falar com o professor de direito internacional, que era o Vicente Rao. Mas aí ele falou, 'Olha Hilda, é complicado demais. Você tem de saber o direito de todos os países'. Aí eu broxei completamente. De alguma forma, eu queria ser alguém. Tinha sempre essa vontade de me destacar. E escrever. Por isso achava que eu nunca ia ser ninguém.
Mas a sra. sempre foi reconhecida, desde a juventude.
Hilda - Comecei a escrever com 18 anos. Escrevi meu primeiro livro, Presságio (poesia, 1950), escrevi Balada de Alzira (poesia,1951) quando nem era formada. As pessoas gostavam de mim porque eu era simpática, delicada... Mas aqui não conhecia ninguém. Mas foi realmente em Campinas que começou a acontecer tanta coisa...
Foi um retiro vir para cá?
Hilda - Não foi porque amigos meus vieram para cá, o Zé Luis (Mora Fuentes, escritor e jornalista, que mora atualmente na Casa do Sol), a Olga (Bilenky), eles vêm muito aqui. Tem o Edson Duarte, também.
A casa transformou-se num pólo de escritores
Hilda - Caio Fernando Abreu (autor de Morangos Mofados, 1948-1996), que morreu... É que ficaram poucos, que subsistiram.
O que a sra. achou da escolha dos livros que iniciaram a reedição?
Hilda Hilst - Achei ótimo, porque ele pôs A Obscena Senhora D. e Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão. Achei muito bonito porque ele pôs a paixão. Na verdade, eu queria sempre estar apaixonada. É uma determinação que eu me propus. Mas como eu estou muito velha agora, ninguém vai se apaixonar por mim. E aí eu fico triste, né... (risos)
Mas todas as pessoas que lêem seus livros se apaixonam pela senhora.
Hilda - Se apaixonam pela obra, eu queria que se apaixonassem por mim. As pessoas falam 'fica com Deus'. E eu, 'certamente vou ficar'. Mas nunca falam 'tomara que um homem lindo se apaixone por você'. Porque eu tive uns namorados lindos. Tive uns feios também. Mas eu gostei muito dos lindos. Eu gostei de um muito, chamava-se João Ricardo. Mas ele está casado. Já tem filhos grandes. Ele me procurou aqui eu nem sei quando. Nunca mais ele me telefonou.
Faz tempo?
Hilda - Isso que eu não sei, o tempo. O Zé Luiz conheceu ele também. Precisa chamar o Zé Luiz, ele pode explicar mais do que eu. Olha, A Obscena Senhora H, (aponta para o título da reportagem publicada no jornal Folha de S. Paulo, em cima da mesa). É Obscena Senhora D., mas eles põem sempre "Senhora H".
Incomoda?
Hilda - Não é que incomoda. É que todo mundo deve achar que eu sou muito obscena.
Mas sua poesia é chamada de "erótico-metafísica" pela crítica, até mesmo de mística.
Hilda - Na verdade eu sempre tive vontade de ser santa quando eu era pequena, quando eu tinha oito anos. Meu colégio era o Santa Marcelina, que hoje virou hospital. Mas ele era lindo, o colégio. Eu falava para as freiras que eu tinha vontade de ser santa. Por exemplo, a Santa Tereza Dávila. Eu tinha muita vontade de levitar. Eu vi Santa Tereza Dávila, num museu em Paris. Ela está com os pés em ponta. E dizem que é o jeito do êxtase, os pés em ponta, que é uma coisa ligada ao sexo. Eu nunca pensei em ficar com os pés em ponta quando gozei (risos). Nunca.
A sra. começou falando das coisas extraordinárias que aconteceram aqui. Na sua opinião, por que as pessoas tratam suas experiências mediúnicas como uma coisa marginal?
Hilda Hilst - Por exemplo, eu tinha sonhado muitas vezes com a minha mãe. E com meu pai, eu também sonhei sempre. Tem a fotografia deles, você viu, ali. Ele é um homem lindo demais. E a minha mãe também. Eu vou mandar fazer uma moldura. Eu me comovo muito de saber que ele era tão lindo. Quando eu vi mesmo meu pai, ele já estava louco. Ficou louco logo depois que eu nasci. Quando eu tinha uns 8 anos.
A sra. foi separada dele.
Hilda - Completamente. Sofreu muito. Teve uma vida horrível. Foi uma fatalidade medonha porque ele era esse homem que você está vendo. E ficou tão louco que lhe deram muitos choques elétricos. Ele perdeu todos os dentes, perdeu tudo. Morreu quando eu estava com... quando eu mudei para cá, é, com 36, 37 anos. Mas eu não via beleza nenhuma nele. Porque ele estava tão, estava horrível... Vocês não querem comer nada? Eu sempre me comovo quando falo da minha mãe e do meu pai, principalmente do meu pai, que foi tão horrível. Eu tinha dificuldade de vê-lo como ele está aí. Então, disse para você que eu via minha mãe e meu pai nos sonhos. No ano passado, no dia 21 de abril...
Seu aniversário.
Hilda - ... no ano passado, em 2001. Apareceu um carro, era parecido com o da Olga. Eu estava aqui. E levantei, eu vi o carro. Então chamei a dona Geni, que é funcionária daqui, e falei, 'tem uma moça aí, mas eu não conheço'. Ela deve ser filha da Inês Parada, pensei. A Inês Parada é uma amiga minha que mora na minha casa, quer dizer, na casa da minha mãe, que é logo aqui perto. E aí a moça foi embora. Meu Deus, o que será, quem é que seria? Porque ela nem falou comigo... E a Geni disse, "não tem ninguém, dona Hilda". Eu nasci no dia 21 de abril às dez e meia da noite. E ela veio às dez e meia da manhã, minha mãe. Mas ela estava tão linda, que eu não a reconheci. Porque eu nunca conheci minha mãe tão linda assim. Eu sabia que era ela. Mas eu não posso provar. Eu fiquei besta, porque eu olhei o retrato e falei, "mas era ela bem moça". E ela veio da vida eterna, veio me ver às dez e meia da manhã, fez ao contrário. Ela ficava me olhando.
A sra. se emociona...
Hilda - É uma coisa fantástica. Porque eu podia até falar com ela se eu saísse. Quando eu vi um disco voador pela primeira vez, foi aqui. Eu ouvi uma voz dentro da cabeça: 'se você não sair agora, não vai dar mais tempo'. Isso eu ouvi nitidamente, a voz de um homem. Aí eu saí para ver, eu não sabia que o disco estava aí.
A sra. vê algum significado nessas coisas? Ou é simplesmente o mistério?
Hilda - Por tudo que me aconteceu na vida, eu continuo achando um mistério. Porque eu sou chamada para ver um disco que não tinha visto. O disco voador era redondo, como a gente vê sempre, só que ele tinha como uma pirâmide em cima. Uma coisa egípcia, uma pirâmide meio cortada na ponta. Parece que ninguém nunca viu um disco assim. Coisas que eu fui, que eu sonhava. Me chamavam de Apuléia. Eu conheço Lucius Apuléio (filósofo e escritor satírico romano, 123 d.c. - 200 d.c., autor de O Asno de Ouro). Impressionante. É um homem que escreveu coisas admiráveis, histórias... Eu fui chamada em sonhos também de Roxanna, que era a mulher do Alexandre Magno.
A sra. escreve de um jeito muito particular. O que é a palavra, o que é escrever ?
Hilda Hilst - Deu certo, né? Fiquei besta porque deu certo. Eu sempre pensei que nunca ia dar certo. Mas assim mesmo eu tinha muita disciplina para escrever. Nunca me arrependi disso. Às vezes eu escrevia 500 palavras, mas escrevia, quase que todo dia. O meu escritório não era aqui, era do outro lado da casa. Escrevia num outro quarto. Então, é incrível me chamarem de Apuléia, em sonho.
O que pensa da religião?
Hilda - Gosto de todas, só tenho medo do terrorismo. Minha formação é católica. Gosto dos sufistas, do budismo, mas tenho preguiça de fazer meditação, porque aí eu fico pensando tanto que tenho medo de ficar mesmo louca. Só tenho pena de não ter visto Deus, mas graças a Deus, não vi (risos).
Acredita em acaso?
Hilda - O Einstein dizia que Deus não joga dados. O Einstein ou o Jung falou. Um deles falou. Uma vez, apareceu a voz do Einstein chamando Celina Helke. Nunca consegui encontrar uma Celina Helke, olhei em tudo, na biografia, em todos os lugares, nunca achei. E ouvi uma vez 'Hilda, você como o Einstein no escuro'. Não quer dizer que eu sou o Einstein, mas é no escuro, entende? Tenho medo de acreditar. Me chamaram lua passa em sonho. Triste, você não acha? Ainda se fosse lua nova...
(Sobre a mesa no quarto de Hilda, encimada por fotos de filósofos, escritores, santos, do pai e da mãe, alguns livros e miniaturas de porcos.)
Há uma predileção por porquinhos?
Hilda - Os porcos são muito bonitinhos quando são pequenos. Antes eu tinha cavalos, mas é que agora ficou tão difícil. Eu tenho um empregado para cuidar dos cachorros. Tenho muita pena dos velhos. O sogro do Chico, que cuida dos cachorros, é muito velhinho e insiste em capinar. Eu deixo. Tenho tanta pena dos velhos, você não? Eu estou velha também. Acho que ele bebe demais. Eu também gosto de beber. Antes, podia beber uns 15 uísques e tudo bem, mas hoje não mais. Tomo 2 e já fico bêbada.
Gosta da embriaguez?
Hilda - Eu acho ótimo ficar bêbada. Quando você não fica bêbado, não pensa. Eu penso muito. Esse (aponta uma foto) é o Wittgenstein (Ludwig, filosofo austríaco, 1889-1951) . Ele fala as coisas mais impressionantes. Era tão fechado, a personalidade dele me atrai muitíssimo. Tudo que ele fez é tão genial, o Dever do Gênio. Teve uma vida interessantíssima.
A sra. também tem uma vida admirável, tanto quando a sua obra. Ler A Obscena Senhora D foi uma experiência maravilhosa.
Hilda - (com os olhos marejados, abraça a repórter) Obrigada.
A sra. está gostando de todas essas visitas recentes, das pessoas a procurando?
Hilda Hilst - Claro que sim. Fico muito contente. Podia ter acontecido aos 30, né? Mas é sempre bom quando procuram a gente.
A sra. sempre diz que as mulheres são desinteressantes. Por quê?
Hilda - É verdade. A maior parte das mulheres que eu conheci eram frívolas demais. Não posso dizer quem, porque é uma pessoa muito chegada, casou com uma mulher tão chata, que tem mania só de arrumar as coisas, de fazer docinhos e tal. Essas coisas eu nunca tive vontade de fazer. Sabe que eu nunca fiz um doce na minha vida?
A sra. se julga uma mulher diferente? Por que, mesmo sendo mulher, não enveredou pelo caminho dos doces, dos quitutes?
Hilda - Eu me acho diferente, mesmo. Mas eu não sei o que quer dizer diferente também. Porque, para mim, eu sou normal. (risos)
Além do Qadós, há algum livro em especial que gostaria de ver publicado?
Hilda - É o Koisa (livro no qual Hilda Hist trabalha atualmente), eu ainda quero vê-lo publicado. E o Qadós eu acho que é o mais lindo. Você precisa ler, não dá para contar. Na verdade, seria com 'k', eu quis abrasileirar e me fudi. Tenho vontade de ser Kadós, com 'k'. Tem um significado diferente, completamente. O apartado. Kadós. (O título deve ser alterado na reedição pela Globo).
A sra. disse que tinha medo de ficar conhecida na posteridade pelos pornográficos, como o Bocage. Ainda tem?
Hilda - Agora eu estou contente de ter feito os pornográficos. Parece que o pessoal gosta mesmo é de pornografia. Quando eu vi que todo mundo gostava, eu resolvi escrever pornografia. Mas é uma pornografia tão engraçada...
4.2.04
20.1.04
O gangsterismo como fundamento do estilo de vida norte-americano, eufemisticamente justificado pelo vocabulário capitalista e iluminista, ou ilustrado, como prefere Tom Edison Jr. O pressuposto não é novo, como quase nada no filme de Lars von Trier. Mas e quem precisa de novidade, essa obsessão do mercado de consumo? Certamente não o diretor dinamarquês, que procura a estética do teatro na tela, tão comum nos primórdios da televisão. Nem mesmo a câmera tremida, empunhada por ele, que já foi transgressora em diversos momentos do cinema mundial. Trier recorre ainda a outros elementos da tradição do "storytelling", cara à literatura e ao cinema dos EUA. O tom otimista e moral da narração, principalmente quando sobreposto a imagens bárbaras, é uma das chaves de entendimento da ironia que o cineasta despeja sobre o mito norte-americano. Pq aquelo texto é puro exemplo de ironia moderna (ou pós-moderna, sei lá), que anda me perseguindo atualmente. A ironia romântica não é para ser entendida. Ela é a impossibilidade da representação do real e do entendimento, certo? Mas o moderno arrasa ainda mais com a idealização de um real que subsistiria por trás dessa impossibilidade. E não sei se é o filme ou sou eu que ando tentando ver as coisas por essa perspectiva ainda nova, incontida para mim. A ironia sempre me intrigou, sua pose de salvação única da condição do homem. Ás vezes me parece tanto o contrário, mas acho que eu carrego fortemente uma idéia de moral que não combina nada com essa perspectiva.
Puxa, bateu uma saudade de escrever aqui! Acho que ninguém mais visita essa paginazinha, a não ser por algum acidente de percurso, busca mal-sucedida ou algo assim. Escrevendo sobre música de novo. Bubblegum, Brill Building e mais dezenas de outros exemplos do pop descartável do fim dos 60 início dos 70. O que me deixa feliz, depois das discussões travadas nas férias desafiando a tal supremia da produção musical desse período tão excepcional principalmente para os que o viveram. Claro, sem xiitismo (antifondazionalismo, diria alguém). Mas é que eu gosto de lembrar dessa falta de vergonha comercial da música pop para quem ainda idealiza a transgressão do mundo do rock (sim, eu não vejo muitas distinções entre um e outro em termos do 'de onde viemos', 'quem somos' e 'para onde vamos').
13.8.03
17.7.03
7.7.03
NOSTALGIA
O blog Ipisis Literis, da Denise, ressuscitou o header escritoras-que-amamos da Dani e minhas picaretadas cor-de-rosa no html. Sei que sou suspeita, mas continuo achando lindo :-)
4.7.03
27.6.03
26.6.03
25.6.03
IN THE MIDDLE OF NOWHERE
Li lá no Divã do Demo que, se as mulheres voassem como nos quadros de Chagall, cagariam nas nossas cabeças.
Escatológico, esse diabo.
Só uma frase da matéria do NYT, muito emblemática:
"The overall effect is of spending an afternoon with a once sardonic best friend overdosing on mood enhancers."
GIRLS, GIRLS, GIRLS
Tristeza, muita tristeza. Liz Phair rendeu-se ao estilinho Avril no disco novo. Tudo bem que ela não tinha feito mesmo nada de excepcional depois do Exile in Guyville - que está entre os meus top favoritos de minas de todos os tempos. Mas é terrível encarnar em atitude e figurino a adolescente revoltadinha aos 36... Depois dessa matéria no NYT, fui tentar ouvir o disco. E o pior é que é tudo verdade.
Outro diA a Mari citou um dos livros de mulherzinha no qual a narradora em questão dizia que, depois dos 30, você continua a escrever as mesmas bobagens sobre o mundo pop, mas agora com status e cara de ensaio histórico-social. Uma pretensão à seriedade que fica tão caricata quanto a adultescência. O buraco se alarga tanto que é preciso escolher entre as bordas extremas e equidistantes pra não cair na escuridão. Ou então, é preciso aprender a flutuar, lânguida e soberana. Mas pra não cair, há muitos cabos de segurança transparentes firmemente costurados ao sutiã. De novo, a aranha. É foda, falar da Liz Phair sempre me leva de volta pros "mulherismos". Ontem na novela das 8, a mãe do Erik Marmo ficou falando mal da Gracinha. Disse que temia a sonsa pq ela enredaria o pobre-menino-rico com uma gravidez. Afinal, segundo ela, "somos nós (as mulheres) que comandamos esse território" (o do envolvimento conjugal-afetivo). Ai, que medo! E que injustiça! Tudo bem, é novela das 8, mas que tem eco na realpolitik, a isso tem. Pq não há maior loser do que a mulher infeliz no amor. Vide a lotação das igrejas de Santo Antônio no último dia 13. As pessoas vão ficando mais velhas e precisam se apegar.
Bem mais divertida é a música da P!nk pra trilha das Panteras. Acho que a P!nk faz um dos X-tudos mais palatáveis desse fast-food. Guitarrinhas um-dia-fui-fã-de-hard-rock-farofa, produção eletrônica, pose malvada r&b e muitos centímetros de pele à mostra - e ela nem tem cintura!
23.6.03
Minha vida anda mesmo trash pra cacete. Tive de escrever um texto sobre Bruno & Marrone. Senhor, piedade!
Eu preciso me livrar da minha televisão. É sério. Ela tá fazendo um mal danado pro meu tempo e pro meu cérebro. E olha que nem TV a cabo eu tenho. Se eu tivesse, seria the couch potato itself. Mas não escapo do horror que é a programação da TV aberta. Começa na hora do almoço. Ligo a TV pq comer sozinha é ruim pra caralho, aí assisto a bosta do Videoshow, zapeando pelos horrorosos programas de fofocas. Depois, no meio da tarde, aquele intervalo prum lanchinho e lá vou eu ver Sessão da Tarde, reprise da The Nanny no 21, alguma coisa bem besta na MTV. Mas o pior mesmo, indesculpável, é que eu voltei a assistir telenovela com toda força. Além de Mulheres Apaixonadas eu também assisto Kubanakan. Meda, meda, meda! Jesus, Maria, José! Será que algum telepastor exorciza esse encosto que se apoderou de mim?
9.6.03
É difícil explicar a beleza de Bloco do Eu Sozinho e Ventura. Os dois discos têm algumas músicas medianas, não trazem grandes inovações. Mas certas canções saltam como as imagens de uma lanterna mágica, aquele brinquedo que gira e projeta sombras e cores, encantamento delicado e desilusão singela inundando a parede branca. Pra mim, isso acontece principalmente em "Assim Será" e "Adeus Você", do Bloco, e "Além Do Que Se Vê" e "Do Lado de Dentro", essa última minha preferida de Ventura. O timbre da guitarra, a bateria nervosa, a entrada dos metais, a música de carrossel, a ambiance do teclado e melodia do vocal como contraponto, tudo parece estar no lugar, girando, girando e levando junto quem tá no meio, suspenso no ar e quase sem respiração.